domingo, 7 de junho de 2009

Nat King Cole RE: GENERATIONS

Há alguns meses que venho me aproximando com cuidado e ressalvas nas fusões de jazz com reggae, rock e música eletrônica. Apesar de admirar a criatividade de quem produz tal som e gostar do resultado, ainda piso em ovos no campo do nu-jazz, trip hop e acid jazz. Porém uma simples olhada na vitrine duma livraria-video-revistaria-café, vi um CD que prometia coisa boa logo no design gráfico: era o Nat King Cole RE:GENERATIONS. Vocês não imaginam a música que ele contêm.

Dentro da idéia de remixar alguns clásicos do cantor Nat King Cole (1919-1965), vários produtores foram convidados a trabalhar em cima de fonogramas, alguns com mais 60 anos(Nature Boy, gravação de 1948), e adicionar elementos eletrônicos às consagradas linhas melódicas de Nat. Ao que percebi, as únicas exigências eram manter o vocal e reaproveitar alguns elementos da canção original. Tirando isso, as melodias e harmonias foram reinventadas e acrescidas até o limite, o que trouxe um sabor especial às produções.



Nathaniel Adams Coles...
O início do álbum nos traz um diamante relapidado. O produtor musical e músico Cee-Lo pegou Lush Life, um dos maiores clássicos do jazz perfeitos na voz de Cole, e trouxe o frescor do drum'n'bass sem se sobrepor à parte sinfônica da versão original. Por ser uma canção tão milimétrica e musicalmente 'redonda', Cee-Lo se concentrou em pegar somente algumas versos e desenvolver uma melodia eletrônica com a ajuda da orquestra onde só estes trechos seriam suficientes para dar continuidade a tudo. É genial como apenas dez versos comandam 80% da música.

Logo após temos uma fusão comum: pai e filha cantando juntos, mesmo que ambos não tenham tido carreiras na mesma época. A tecnologia evoluiu a ponto de poder captar a voz do pai, gravada há décadas e unir com o fraseado delicado da filha, ainda viva e atuante. A filha neste caso é a cantora Natalie Cole e o mixer é o integrante da banda Black Eyes Peas Will.i.am. O trabalho aqui foi mexer o mínimo possível na gravação do pai e apenas trazer a voz de Natalie alida à batidas pop, o que não a deixou pobre ou confusa para o ouvinte. É o passado musical da família fundido com novas cores musicais.

Conversas de estúdio geralmente são cortadas na mixagem, mas tem um siginificado diferente se bem colocadas. É assim que Day in, day out começa, com o técnico anunciando o take naquele tom de rádio e fala repe-pe-tida, um prelúdio do jovial brincando com o antigo. Logo em seguida que sua fala termina, uma bateria forte e incorpada começa a martelar junto de um teclado elétrico e pequenos barulhinhos estrategicamente posicionados. E o melhor: no começo e no final, quando Nat diz "a thousand drums" com aquele tom de assombro, tudo pára e um gordo solo de bateria digital começa e termina, assim, no meio de tudo e dando chance àqueles ótimos esquemas pergunta-reposta, frequentes no jazz. A brincadeira com a nota final de Cole esticada e retorcida especialmente para criar um fraseado musical cai simples e pontual, e Deus sabe que não é fácil fazer aquilo.

Apesar da maioria das faixas serem ouro puro, algumas decepções não resistem a aparecer. Um exemplo está em Walkin' my baby back home, remixada por The roots, onde o próprio encarregado de mexer somente na estrutura e melodia da canção também se achou no direito de colar um trecho de hip hop que não condiz com o resto da música. O último minuto e meio é de fato outra música, a voz de Cole serve apenas como backing vocal pra algum outro rimar. Algo parecido acontece também em The game of love (acrescido de Nas e Salaam Remi): só um trechinho pra se autopromover, nada demias.... Em Hit that jive, Jack (transformada por Souldiggaz e Izza kizza), somente o refrão foi mantido, enquanto o resto da letra foi substituída por outra, bem mais cheia de malícia, sem falar nas vocalizações femininas que acabam por sublimar o escasso registro original.

Outro pecado musical também foi cometido em Calypso blues (avacalhado por Stephen e Damian Marley, descendentes de Bob Marley) : se você acha que faltou alguma coisa, por quê não incluí-la, mesmo que a canção não seja sua? Pois é, não sei qual dos dois teve a ideía de inserir um refrão numa composição que o conceito principal é não havê-lo. A versão original propõe isso: a repetição forte da melodia através de letras não declaradas, um refrão sem palavras porém cheio de notas.

Capa de Nat King Cole RE: GENERATIONS
Re:Generations - Nat

A brasileira Bebel Gilberto, filha do cantor João Gilberto, aparece e mixou a música Brazilian love song em parceia de Michaelangelo L'Acqua. Ela também mexeu onde não devia, mas foi mais sutil do que os outros. Entre alguns versos ela canta a versão abrasileirada-portuguesada do refrão, ou seja, aquilo que Tom Jobim fez para o Frank Sinatra cantar a bossa-nova nos anos 60: manteve a melodia, mas mudou a letra no contexto. Bebel fez o mesmo e tomou a mudança e a intromissão dentro do ritmo, colocando dois versos que não existem, mas que combinaram com a história contada na letra.

Dentre todos os remixes, More and more of your amour foi a mais fiel à sua própria natureza. Embelezada por Bitter:Sweet, as mudanças de andamento foram respeitadas a ponto de cada um obter uma personalidade sua e facilmente distinguível. El choclo segue junto este caminho, lembrando a onda do tango eletrônico: afinal, acordeóns e picapes combinam muito bem. Ela traz vocalizações, perguntas-repostas e lamentações bem visíveis, porém mais altas ou frias entre si, um artifício mágico pontuado pelo sofisticado espanhol de Nat. Ok, ok um refrão também foi introduzido de forma que entre no pequeno ciclo, aí pode.

O quê, um telefonema numa música?! É, Pick-up é um convite pra sacanagem com direito a cantada de homem e esculacho de mulher. De longe a combinação de Just Blaze foi a mais inteligente ao transformar uma letra pra voz única numa convincente conversa a dois. Assim, uma letra completamente masculina acaba por virar um conto de final engraçado e original. escutem e verão.... hehehehe....

Já chegando no final do álbum temos o remix de Anytime anyday anywhere, puxado pra balada clássica de pop e pouco contato humano. O produto da voz de Nat, límpida como água, traz a atmosfera perfeita de romance atada a tais camadas musicais pesadas e envolventes. Por mais insolúvel que a mistura pareça, o contraste entre estilos feito por Amp fiddler é difícil de assimilar na primeira vez, mas parece encontra lugar entre as faixas mais inovadoras e bem sucedidas do disco.


... ou Nat King Cole

Depois de tantas fusões doces, ácidas e indistringentes, Nature Boy realmente deixa o ouvido perturbado. De longe uma das músicas mais conhecidas de Nat (somente compete com Mona Lisa), a própria letra já sugere um clima místico, transcedental. A comunhão de graves e distorções quase irritantes na nova montagem de Tv on the radio leva a expectativa ao patamar de nirvana momentâneo, coisa de mantra mesmo que os músicos vão até a Índia aprender. O registro de Nat foi ampliado sabiamente pra dar esta sensação de epifania, mas não segue o desfecho da letra pra que o sentido da música seja revelado: é dada a todo momento e é isto que traz emoção em torno dos pequenos e gigantescos efeitos.

Como havia dito no começo, o projeto gráfico do CD é primoroso, a começar pela capa: a colagem de uma foto antiga e fundo espacial, algo que atiça a curiosidade pelas cores, as letras estilizadas e especialmente pela combinãção inusitada de elementos: Nat King Cole cantando no meio do espaço sideral? Ele está em outro mundo, em outra galáxia? Musicalmente falando, sim, e está em ótima companhia.

Outra peça promocional produzida pela gravadora Concord Records foi o mural pintado na sede da empresa em Hollywood pelo artista Man One. A seguir assita o vídeo sobre a produção do mural:
http://www.youtube.com/watch?v=-9OSAWM3SUQ

Aqui uma vídeo-montagem com material promocional do álbum e trecho de Lush Life:

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