terça-feira, 28 de julho de 2009

Bill Evans - Conversations With Myself


Conversations With Myself - Bill Evans

Diante de uma discografia tão ampla quanto a de Bill Evans, um ouvinte recente poderia ficar perdido com tamanha variedade de álbuns e releituras de suas próprias composições à disposição. Muitas vezes também me surpreendi pensando: "Sim, quero ouví-lo, mas o que?" Com pelo menos um piano em todos os seus trabalhos, Evans variou desde o trios (dezenas deles) até parcerias com guitarristas e flautistas. Porém, o que há de mais surpreendente é a coragem de se contrapor musicalmente sobre si mesmo, ou seja, criar sobre sua criação. Tal idéia é tão nova num cenário onde clássicos são reinventados a todo tempo e composições inéditas demoram a se fixar que Evans inovou com o bobo de tão simples.

Esse foi o mote pra idéia geral de Conversations With Myself (Verve, 1963). A técnica básica aplicada nesse trabalho é o overdub, um recurso que consiste em adicionar um som complementar a um registro já existente. Muito utilizado desde que foi inventado no começo dos anos 60, foi explorado por Evans ao tentar "lapidar" uma série de composições e introduzir mais passagens, já que o teclado tem limites, assim como os dedos. Num primeiro momento, Evans gravava a melodia do mesmo modo que faria numa versão solo. Logo após esta etapa, com a devida sincronização da melodia nos fones de ouvido, ele adicionava novos acordes, solos e introduções, sempre em contraponto. Ao tocar os dois tapes ao mesmo tempo, escutamos dois pianos se unindo, a fusão de quatro mãos sob o controle de uma cabeça. Por causa do perfeccionismo de Evans, mais uma terceira camada era somada ao produto final.

Assim, além de um trio de pianos interdependentes, o álbum confere a ebulição criativa de Evans um patamar quase obssessivo no acréscimo incessante de som. Depois de ficar janeiro e fevereiro de 1963 inteiros maturando o álbum, Evans ganhou um Grammy em 1964, porém não ficou totalmente satisfeito com o resultado. O reconhecimento pelo Conversations... reabriu sua carreira de músico viajante, benvinda após a reclusão que veio com a morte de Scott LaFaro, seu baixista num acidente de carro dois anos antes.

A única faixa que não apresenta três pianos é Blue Monk, com apenas um overdub. Junto desta, Bill gravou outras duas composições de Monk ('Round Midnight e Bemsha Swing). Uma curiosidade: a música N. Y. C.'s No Lark é um anagrama com o nome Sonny Clark, amigo de Evans e aclamado pianista de hardbop.


Bill Evans transcreve suas idéias para o papel

Na minha opinião, as faixas de maior importância e onde mais se vê a fusão das camadas superpostas com melhor qualidade são Spartacus Love Theme e Hey, There. Com estas duas, o álbum todo ganha força sem ser complexo. Cada trecho é respeitado e não há desrespeito à leveza das melodias. Se percebe a presença de muitos sons nelas, porém a elasticidade e a facilidade de assimilá-las destoa do resto da música, como em Stella By Starlight. Não é um defeito e sim um pedação perdido no gosto do bolo.

Como é de se esperar, as construções de Evans seguem o padrão do jazz modal: fazer o máximo com o mínimo; pegar uma escala e improvisá-la a exaustão, mantê-la o mais próximo possível dela mesma (basicamente falando). Ao piano, essa possibilidade se engloba de acordo com cada oitava que entra na música. É fácil tocar uma frase em diferentes agudos ou graves e ainda parecer inovador num espaço limitado e, principalmente onde se espera ser compacto. As inserções de Bill trabalham as nuances nessas fases alternadas sem soar redundante, aproveitando todo segundo de silêncio como deixa pra mais um pouco.

Já havia dito antes que o perfeccionismo levou Evans ao máximo de elaboração sobre este álbum e não é difícil notar que toda música incluída nele não foi acidente. Os ritmos construídos em cima de contrapontos excêntricos aqui muitas vezes são linhas de experimentação, algo que vão alcançar mais elegância em Further Conversations With Myself, em 1967. Claro, o Further... é mais limpo se comparado ao exemplo anterior, mais seguro. O Conversations... se tornou um ícone, primeiramente, pela inovação que foi pra época um artista de jazz se analisar tão metodicamentea ponto da perfeição parecer algo atingível. Em segundo, por ser um amadurecimento no caminho de Bill, um novo passeio além dos trios e quintetos até então. Com certeza ele evoluiu a ponto de reforçar sua imagem de solista e não somente como sideman ou centro baixo-piano-bateria.

Álbuns assim merecem um lugar no alto da estante como objeto a ser entendido. A face de sagrado, como tantos álbuns de jazz ganham, me parece boa para divulgá-lo e reconhecer sua estatura, porém o apreço pelo seu conteúdo deve ser de algo íntimo, uma posição que fica entre o corpo e a mente, no meio da garganta.

Faixas:
1 - 'Round Midnight (Thelonious Monk, Cootie Williams)
2 - How About You? (Burton Lane, Ralph Freed)
3 - Spartacus Love Theme (Alex North)
4 - Blue Monk (Thelonious Monk)
5 - Stella By Starlight (Victor Young, Ned washington)
6 - Hey, There (Richard Adler, Jerry Ross)
7 - N. Y. C.'s No Lark (Bill Evans)
8 - Just You, Just Me (Jesse Greer, Raymond Klages)
9 - Bemsha Swing (Denzil Best, Thelonious Monk)
10 - A Sleepin' Bee ( Harold Arlen, Truman Capote)

Para ouvir mais sobre a vida e obra de Bill Evans, clique aqui e escute o podcast do Porão do Jazz dedicado a ele.

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