domingo, 26 de abril de 2009

Terence Blanchard - A Tale of God's Will: A Requiem For Katrina

A inspiração é algo tão subjetivo que qualquer coisa no momento e no estado de espírito certos consegue aflorar uma idéia bacana, seja pra música, literatura ou humor. Geralmente as ‘fontes’ mais produtivas no universo musical são a mulher amada, a mulher inatingível, a alegria de estar com os amigos e até a simples arte de ter acordado inspirado. Porém este é o lado atraente de se compor. Há também as músicas reflexivas, aquelas que você compõe apenas no estado de espírito mais questionador possível, quando algo de muito bom ou muito ruim aconteceu sem sequer ter noção de como ou por quê.

Acho que foi com este pensamento que Terence Blanchard e seu quinteto começaram a escrever as primeiras notas presentes no álbum A Tale of God’s Will: A Requiem For Katrina (Blue Note). Para quem não se lembra, a cidade de New Orleans foi devastada por um furacão de categoria 4 da escala Saffir-Simpson, a principal em medição de furacões (assim como terremoto é medido em escala Richter), em agosto de 2005. A destruição causada por este fenômeno foi gigantesca e a cidade sofre os efeitos disso até hoje, quatro anos depois. O nome Katrina foi dado para batizar esta terrível catástrofe que deixou mais de mil mortos e duzentas mil casas abaixo d’água. Outros estados também foram atingidos, como Flórida, Mississipi e Alabama, mas a cidade mais ferida dentre todas foi justamente a capital do jazz, o berço de mestres como Louis Armstrong.
Terence Blanchard

Por ter chego tão rápido e feito tantos estragos, a imprensa mundial cobriu extensamente a situação e lhe digo: estava bem pior do que qualquer coisa que se possa filmar ou entrevistar. Milhares de pessoas tiveram que abandonar suas casas e morar em ginásios lotados, dividir tudo que conseguiram salvar e ter a dúvida cruel de não saber se seus parentes desaparecidos estariam perdidos, talvez mortos.

O trompetista Terence Blanchard, nascido e criado em New Orleans, primeiramente foi convidado pelo diretor Spike Lee para compor a trilha sonora do documentário When The Leeves Broke; A Requiem in Four Acts, um registro de quatro horas de duração sobre o caos que se instalou na cidade após o desastre natural. O resultado deste trabalho foi tão gratificante para Blanchard que o músico resolveu gravar um álbum com base nas músicas que compôs originalmente para a película. E assim o fez.

Segundo Blanchard, porém, não seria justo que somente sua visão musical sobre a tragédia fosse exposta, tendo em vista que outros integrantes de seu quinteto também são de lá. Sendo assim, abrir espaço para as composições deles foi a maneira mais sensata de transmitir as várias perspectivas da situação.

Entre as colaborações estão Mantra, criação do baterista Kendrick Scott como um “mantra pra curar e renovar”. O pianista Aaron Parks contribuiu com Ashe e o contrabaixista Derrick Hodge trouxe Over There, composta antes do furacão, mas que coube perfeitamente no tema. Por fim, temos In Time of Need pelas mãos do sax tenor Brice Winston, imaginada após se mudar de New Orleans para Tucson, no Texas.

A Tale of God's Will (A Requiem for Katrina) - Terence Blanchard

Ghost of Congo Square é uma homenagem à rua de mesmo nome em que, nos tempos da escravidão, os rebeldes eram enforcados por sua desobediência. Após o fim do regime escravo este local se tornou ponto de encontro musical entre os descendentes africanos e sua música, sendo assim até hoje. Levees, no entanto, já apresenta um tom melancólico muito bem arquitetado pela Northwest Orchestra, e que tem como missão expressar “uma velha e cansada folha lutando contra a água para não ser levada de seu galho”. Através de Ghost of Betsy e The Water, Blanchard relembra os tempos de garoto quando o furacão Betsy inundou seu bairro em 1965. Além disso, introduziu a melodia de Funeral Dirge como uma “digna lembrança pela pilha de corpos mortos naquele dia”.

Após ouvir o álbum na sequência certa é fácil perceber quase capítulos por trás de cada tema. Pense bem: comecemos com Congo Square, um registro de dias difíceis em um lugar que atualmente é motivo de orgulho. Aí vêm Leeves, um manifesto em nome da resistência e Wading Through, outra peça única na tentativa da auto-superação. Ashé e In Time of Need buscam a força que todos precisamos para sermos racionais nos piores momentos de crise, seguidos pelas memórias de tempos parecidos (Ghost of Betsy e The Water) e os motivos para nos mantermos calmos diante de toda adversidade (Mantra Intro, Mantra, Over There). Daqui pra frente é a hora de contar os estragos e de fato sentir as feridas, exemplo presentes em Ghost of 1927 e Funeral Dirge, sendo um dos poucos alicerces nossa Dear Mom.

Como trilha sonora do filme, as idéias do grupo contribuíram no estado emocional criado na cidade, a esperança de reconstruir tudo e o medo de não fazer nada, a calamidade que a falta de um casaco ou sequer uma cama podem brotar no ser humano mais otimista, agora um pouco mais amargo. Está é a minha filosofia do que é suportar uma tragédia, algo violento, completamente devastador e muito revelador.
Além disso, é o exemplo mais concreto da inspiração que a música extrai da realidade, aquilo que é impossível fingir ou sintetizar sem o impacto emocional e financeiro que bate com força e nos move como peças por nossa consicência. Sair deste estado de letargia ou indignação através da expressão individual gerlamente produz verdadeiras obras, porém essas reflexões precisam de uma ligação coma realidade que os cerca e não apenas ser um lamento: as pessoas que entrarem em contanto com estas expressões devem se influenciar, se juntar a idéia de sofrimento passado e conquistado, bastante presente neste álbum.

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