sexta-feira, 17 de abril de 2009

Chick Corea & Hiromi - Duet


Enquanto viajava pelos blogs e sites de jazz mundo afora ouvindo as sublimes gravações do Art Tatum pro selo Pablo nos anos 50, encontrei uma menção à Chick Corea. Admito: nunca dei muita bola pra ele, escutei alguns álbuns e foi isso, não me trouxe grandes inspirações, mas quando este nome veio acompanhado da japonesa Hiromi Uehara, a discípula oriental de Oscar Peterson e protegé de Ahmad Jamal, aí disse: “Desculpe Art, mas algo incrível está pra acontecer!”

Dentre todos os instrumentos em que o jazz se utilizar pra continuar vivo, o piano é o meu favorito. Todo pianista que cai em minhas mãos logo é escutado e admirado, de Monk à Glasper, de Tyner a Evans, com algumas ressalvas, é claro.





Pausei o som da velha guarda na emoção da chegada do novo aos meus ouvidos curiosos através de Duet: Chick Corea; Hiromi (Concord Records) Não estranhei a parceria, pois já tinha visto ambos tocando juntos nos anos 90, quando Hiromi ainda era uma adolescente. Fiquei bastante surpreso com a escolha do repertório e do tamanho do trabalho final: um álbum duplo! Entrou na reta desde canções-mãe da bossa nova, como How Insensitive (Insensatez, de Tom Jobim) até melodias japonesas para ninar, a Do Mo (Children’s Song #12): impossível sequer bocejar. Há também composições da própria Hiromi, autora de Old Castle, by the River, in the Middle of a Forest e a presença refinada de Bill Evans logo na abertura com Very Early.

A surpresa e o encanto causados pela música foi único. Bolivar Blues, composta por Thelonious Monk, é levada naquele ritmo quase gago e comedido que Monk desenvolveu, porém sem parecer ingênuo. Fool On The Hill possui um tom quase de acompanhamento: parece ter saído da trilha sonora de um bom filme de comédia, seguida daquelas sequências com o personagem principal e várias situações embaraçosas. Execuções mais sérias em Place to Be e Deja Vu deram o ar de compromisso com a rotina pesada que pessoas competentes exprimem em notas sem parecer fria e resplandece emoção. Já Summertime foi o corpo estranho e interessante que sintetiza toda a idéia musical da gravação, aquele clássico que já foi transformado o máximo que podia, mas sempre é tentado a mudar novamente e obter um bom resultado. You did it again, folks!




A energia que o som extremamente limpo destes dois pianos desenvolve é resultado de uma globalização musical. Uma sugestão de misturar as influências do piano oriental com as teclas ocidentais (iguais no mundo todo, só pra esclarecer) poderia ser bem exótica se fosse feito há cinqüenta anos, porém hoje é tão natural ‘músicos mundiais’ se reunirem pra repartir as mesmas ligações que, se ensaiarem demais, o produto final é redundante, sem o exotismo esperado. O caso de Hiromi e Corea foge disso justamente pela cultura do jazz norte-americano influenciar o som dos outros cantos que tem interesse no estilo: Hiromi idolatra o virtuosismo do Art Tatum, justamente por buscar uma agilidade melódica que o Tatum era exímio.

A relação dessas mãos japonesas e norte-americanas é um contraponto exclusivo por condensar as cadências de um e não sombrear o timbre do outro. Um tema que já tocaram juntos bastante e que se repete no álbum é o Concierto de Aranjuez, mais conhecido por Spain, a mais emblemática do seu repertório mútuo. Aliás, ser uma peça clássica tocada por pianistas de jazz distintos faz com que cada improviso seja tocado com seu significado duplicado: a nota improvisada é uma homenagem ao clube, o compasso ensaiado ao salão de concerto. O minuto final onde a platéia segue o ritmo com palmas é o ápice de reconhecimento e identificação que tal encontro mundial-idiomático-musical proporciona, algo pra se presentear e festejar.


O álbum duplo foi gravado ano passado no Blue Note Club, em Tokyo, ao decorrer de três dias regados a piano e saque, espero. Ele saiu com duas capas diferentes, como você pôde ver antes, provavelmente uma para o mercado norte-americano e a outra na Europa e Ásia.

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