sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Paul Chambers - Go!


O jazz não pode ser mais visto apenas como um estilo solitário autosuficiente/amante do blues. Não, agora ele traz fusões que marcaram fortemente sua trajetória, seja com o rock (fusion), música eletrônica (nu jazz) ou acid jazz (hip-hop, rap), misturas que só trouxeram mais visibilidade e não prejudicaram em nada a tradição. Claro, os conservadores abominam estas combinações inusitadas que, de fato, quebram o timbre clássico do jazz, porém lhe oferecem novos sons e instrumentos nesse caldeirão que é o jazz atual. Não aceitar esta evolução é negar a Teoria da Evolução de Charles Darwin: nós melhoramos conforme a necessidade nos obriga a mudar.

Por outro lado, os conservadores podem rebater: "Por quê trazer elementos estranhos para o antigo jeito de tocar? Por quê confundir ambas filosofias musicais misturando-as?" A resposta mais óbvia é: "Estamos cansados de ouvir os mesmo acordes, os mesmos riffs, queremos algo novo, inusitado!" Neste ponto também fico dividido. O que seria melhor, ritmos novos ou uma repaginação do obsoleto?

Evitar comparações é o modo mais difícil de se chegar a um veredito, mas alguns álbuns das antigas conseguem nos fazer olhar sob outro aspecto sobre o 'novo'. Visitando blogs Internet afora, encontrei 'O' álbum perfeito para me justificar, um exemplo do porque a tradição se ofende ao ser chamada de 'obsoleta' (como a pouco fiz).

Simplesmente intitulado Go!, este álbum é importante no portfolio do baixista Paul Chambers e ilustra o bom momento de sua carreira na época: há alguns anos empregado como baixista de Miles Davis, tendo gravado com o trompetista os últimos LPs encomendados pela Columbia Records no meio dos anos 50, Chambers também tinha seus trabalhos solos como bandleader para a Blue Note comparados a jóias recém descobertas, principalmente no campo do contrabaixo.

Cerca de um mês antes de gravar o histórico álbum de jazz Kind of Blue, Chambers reuniu o quinteto de Miles na época (sem o chefão, substituindo-o pelo iniciante Freddie Hubbard) para fazer um som diferente do praticado por Davis: a intenção era produzir o hardbop mais tradicional possível, sem qualquer ligação com o jazz modal.

Durante os dois dias de gravação, o quinteto registrou a música com a pulsação do show ao vivo, energético e mais livre de fama (logo, profundo em si mesma) do que estavam acostumados. A mentalidade da música é a de um grupo amador que sabe tocar muito bem, ou seja, músicos experientes sem fama, livres para serem autêticos e fiéis aos fãs, cobrando cinco reais de ingresso e uma caixa de cervejas de cachê.

Muitas vezes ao tocar tendo o peso da responsabilidade e do cachê que irá ganhar em mente, muita música acaba sendo mais dura, mais comercial e perde o espírito eterno da experimentação que o jazz se fundou. Há improvisos, com certeza, porém a suavidade do solo se perde na segurança de parar tudo a qualquer minuto e poder gritar pro técnico "Ei, ficou ruim, vou repetir agora". A espontaneidade (isso, essa é a palavra!) dificilmente permanece após o primeiro take, afinal, se o primeiro não deu certo, você tem duas alternativas: inventar um completamente fresco ou melhorar o errado: qual prefere? O mais criativo ou o mais fácil? Pois é, isso não aconteceu aqui. Mesmo sem saber quantos takes foram necessários, é possível absorver a fluidez que as notas passam, sem medo de deslizar demais numa escala ou passar do tempo combinado. Como todo bom músico, sempre há espaço pra uma música nova e ansiosa pra ser executada.

É o caso de três das seis composições presentes: dentre os standards estão Just Friends, I Got Rhytm e There Is No Greater Lover. Entre elas se destaca Just Friends, a mais segura e confiante dos clássicos, povoada duma certa dose de old school é clara e completa em cada acorde. Awful Mean, Ease It e Julie Ann compõe a parcela nova do repertório. Todas composições de Paul Chambers, são nelas que percebemos melhor o estilo de Chambers ao conduzir o set e solar bastante, afinal, o contrabaixo também têm sons inexplorados a serem estimulados como qualquer palheta ou teclado.

Apesar do álbum ter sido registrado como acústico (captado em estúdio), uma das músicas tem barulho de aplausos. Ao final de I Got Rhytm e Ease It o som de palmas bastante empolgantes e satisfeitas nos convence que a performance ao vivo é imbatível, bem mais sedutora se comparadas as de estúdio, onde a banda está isolada numa cabine a prova de som e sem platéia. Porém a criatividade vai além de meros efeitos técnicos e espuma, principalmente com artistas que já tocaram pra todo tipo de platéia, desde os boêmios de Nova York aos conservadores do West Coast. Músicos de longa estrada transformam os parceiros de show em espectadores, mudam de técnico para fã ao final de cada sequência. É aí que mora o jazz, na diversão mútua, na graça de tocar pra si e não ter receio do público desconfiar que pagou demais pra estar ali.

Como o próprio título e a música do álbum sugerem, o jazz precisa evoluir (need to Go...), se mixar pra melhorar, porém sem esquecer que tudo (tudo mesmo) é fruto de crescimentos, de investimentos; nada chegou a ser o que é sem ajuda (caramba, o swing veio da evolução do dixieland, o bebop veio da adaptação do swing!). O conservadorismo evoluiu do antigo e precisa lembrar que se não fossem caras como Charlie Parker e John Coltrane, muito jazz não nasceria ou teria atrofiado por décadas.



Paul Chambers - contrabaixo
Cannonbal Adderley - sax alto
Freddie Hubbard - trompete
Wynton Kelly - piano
Jimmy Cob / Phillip Joe Jones - bateria


Músicas:

Ease It
Just Friends
I Got Rhytm
Julie Ann
Awful Mean
There Is No Greater Love


Gravado durante os dias 2 e 3de Fevereiro de 1959.

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