quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Yamandu Costa - Continente (2013)





Um trabalho completamente gaúcho, é isso que Yamandu Costa, Guto Wirtti e Arthur Bonilla trazem em Continente, lançamento da Biscoito Fino. Sempre com referências a tradição do sul do Brasil em suas performances, Yamandu repetiu o cuidado que teve em Lida ao compor músicas fortemente enraizadas no Rio Grande do Sul, porém escapando do tradicionalismo excludente que permeia a música fronteiriça.

A saga de O Tempo e O Vento mais uma vez foi a grande inspiração para a concepção geral do disco. Sem ela, toda uma faceta da história cultural do RS seria de difícil compreensão para outras partes do país, assim como Grandes Sertões Veredas e a obra de Guimarães Rosa são para o norte brasileiro. A música que dá título ao álbum e nomeia o primeiro volume da saga pode ser interpretada como uma homenagem ao espírito independente do gaúcho que vê na vastidão de seu estado um espaço continental onde guerras foram travadas com orgulho e coragem, uma marca inextinguível do povo que nela vive. Além de ser a mais completa do álbum, O Continente traz um ritmo de luta e sensibilidade abrangente, assim como Chamamer representa um dos gêneros mais tradicionais do sul e permite diversas variações.

A primeira música do álbum, Sarará, já bastante difundida no repertório do violonista principal, traz uma versão mais cálida e sentimental do que a costumeira tocada em shows ou a gravada com o acordeonista Borghetinho, onde o virtuosismo se faz bastante presente. Nela, Yamandu faz uso também do requinto, um violão um pouco menor que o convencional que reproduze um som mais agudo e foi bastante usado na música clássica.

Cabaret e Bounyfie trazem um lado mais lírico e com toques mais europeus que acentuam a participação do baixolão de Wirtti e o segundo violão de 7 cordas de Bonilla. Presentes em todas as músicas, os músicos também gaúchos trouxeram um frescor para o contraponto que Yamandu sempre soma nas participações de seus discos. Graças a sutileza que os três conseguiram imprimir na pequena suíte em dois movimentos Namoro de Guitarras e Peleia de Guitarras, o papel do violão na cultura gaúcha é realçada e elevada de nível tanto na virtuosidade quanto no acolhimento do sentimento que décadas de tradição são repassadas e reacolhidas.

Outros exemplos desta concepção estão firmes em Fronteiriço e Don Ata, ambas reafirmações da conexão latina que a música de fronteira traz com os argentinos, chilenos, paraguaios, uruguaios e os povos que dividem uma herança cultural muitas vezes sonegada pelo resto do Brasil.

O baixolão de Wirtti se sobressai com uma abordagem pouco explorada na música brasileira. Em Aperto, toda a extensão musical do instrumento se encaixa com perfeição em um clima de sofreguidão e introspecção que o álbum cultiva. Sua participação, também presente em Lida, é mais sólida e sugere novas aberturas para os tons graves que baixolão permite, assim como o violão de Bonilla presenteia uma segunda voz a ser ouvida e cultivada com calma e paciência pelo futuro que pode apresentar.

Para finalizar, assim como Lida com Ventos dos Mortos, Sufoco mistura uma saudade do contato mais íntimo com o habitat campeiro que as reuniões de amigos envolta da fogueira ou um passeio pelo interior consegue despertar no brasileiro que saí de sua terra, mas não esquece a raiz que deixou por lá. Piegas a parte, é uma celebração tão honesta quanto o samba e o axé, que esquecem de olhar para outros pólos do Brasil.

A seguir ouça a versão de Wirtti e Yamandu para Sufoco.

http://www.youtube.com/watch?v=g7DEofA3ctM&list=PL1YdO_i1K5KPuBsJqiRQgYkYNyK6q-6Sc

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